Iniciativa oferece educação e acolhimento a mulheres em situação de vulnerabilidade social em Campo Grande, promovendo autonomia, inclusão e esperança
Conciliar trabalho, família e estudos é um desafio para muitas mulheres. Quando a vida é marcada por situações de vulnerabilidade social e, em alguns casos, por episódios de violência doméstica, esse desafio se torna ainda maior. Pensando nessas realidades, nasceu o Curso EJA Mulher, uma proposta da Educação de Jovens e Adultos que tem mudado histórias e aberto novos caminhos para mulheres de diferentes idades em Campo Grande.
O projeto foi implementado em 2024 como um piloto voltado à população feminina que busca retomar ou concluir os estudos na educação básica. Direcionado a mulheres a partir de 16 anos (anos iniciais) e 18 anos (anos finais do Ensino Fundamental), o curso tem como objetivo promover acesso, permanência e inclusão educativa, respeitando a trajetória de vida de cada estudante e reconhecendo o valor de suas experiências pessoais.
Acolher para educar
Em 2025, o programa alcança 145 mulheres, distribuídas em turmas nas escolas estaduais Marçal de Souza Tupã-Y, José Ferreira Barbosa e Vereador Cristóvão Silveira – esta última localizada no Jardim Noroeste, região com altos índices de vulnerabilidade social e violência doméstica.
A Escola Estadual Vereador Cristóvão Silveira, conhecida carinhosamente como “Escola do Amor e do Acolhimento”, tornou-se referência na oferta do EJA Mulher, abrigando cinco turmas do curso neste segundo semestre. A escola se destaca por unir formação geral básica e qualificação profissional, ampliando as possibilidades de aprendizado e empregabilidade das estudantes.
De acordo com a professora Flávia da Fonseca Vilela, professora da EJA na EE Verador Cristóvão Silveira, o maior diferencial do programa é o olhar sensível sobre as realidades das mulheres atendidas.
“Nosso trabalho parte da escuta e do respeito às trajetórias de vida. Acreditamos que o conhecimento só tem sentido quando dialoga com a história de quem aprende, aqui conhecemos muitas histórias, são muitas batalhas, essas mulheres são batalhadoras e merecem ter essa oportunidade para retomar os estudos”, destaca a professora.
Histórias de recomeço e inspiração
As histórias que se entrelaçam na EJA Mulher revelam a força e a determinação das estudantes. Entre elas está Beatriz Resende de Barros, de 26 anos e que decidiu voltar a estudar após o nascimento dos filhos Anthony, de 7 anos, e Yrian, de apenas 4 meses. É ele quem está na foto de capa desta matéria, estudando com um carrinho de bebê ao lado.
Quando mais jovem, Beatriz era uma aluna premiada em olimpíadas de matemática, mas, segundo ela, deixou os estudos para “aproveitar a vida” e não levou a escola tão a sério. Hoje, com novos sonhos e responsabilidades, encontrou no EJA Mulher a oportunidade de transformar o próprio futuro.
“O diretor permitiu que eu trouxesse a Yrian comigo para a sala de aula, e isso fez toda a diferença. O Anthony fica na brinquedoteca, e ela é como a mascote da escola”, conta com carinho.
“Meu sonho é finalizar o ensino médio, fazer faculdade de Engenharia Civil e dar um bom exemplo para os meus filhos. Quero mostrar pra eles que nunca é tarde pra recomeçar”.
A história de Beatriz representa muitas outras: mulheres que retomam os estudos não apenas por um diploma, mas pela chance de reconstruir a própria história com dignidade e esperança.

Entre essas histórias está também a de Lucinéia Procópio, de 38 anos, moradora do Jardim Noroeste e mãe de três filhos, que encontrou no EJA Mulher a oportunidade que esperava havia anos:
“Eu sempre tive o sonho de voltar a estudar, mas acabei parando por causa de dificuldades financeiras e problemas familiares que me deixaram desmotivada. Tentei estudar antes, mas era muito caro e precisei trancar. Quando soube desse projeto da EJA para mulheres, aqui pertinho de casa, fiquei muito feliz e corri para me inscrever. O que mais me animou foi poder trazer meu filho de 6 anos, saber que ele ficaria bem cuidado, se alimentando e interagindo com outras crianças enquanto eu estudo. Isso me deixa tranquila e me dá força para continuar. Hoje estou fazendo o 8º e o 9º ano do Fundamental, trabalho como cuidadora de idosos e quero seguir estudando, terminar o Ensino Médio e fazer faculdade de Agronomia. Sou mãe de três filhos, cuido deles sozinha, e sei que não é fácil — mas acredito que a gente precisa dar o primeiro passo. Por isso, eu diria para outras mulheres que têm vontade de estudar e acham que não conseguem: rompam as barreiras, aproveitem as oportunidades. Nada é fácil, mas é possível quando a gente acredita e luta pelos nossos sonhos”.
Educação que transforma com cuidado e empatia
O trabalho pedagógico da EJA Mulher busca relacionar saberes, tempos e experiências. Na alfabetização, as práticas são adaptadas às necessidades dos adultos, valorizando os conhecimentos prévios e promovendo aprendizagens significativas.
As áreas contempladas incluem Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza — e, no caso da Escola Vereador Cristóvão Silveira, também há o componente de Qualificação Profissional.
Outro diferencial que tem garantido o sucesso do programa é a sala de acolhimento, uma brinquedoteca especialmente criada para receber os filhos das estudantes durante as aulas noturnas. No espaço, as crianças participam de atividades lúdico-pedagógicas, com jogos, leituras, musicalização e brincadeiras, acompanhadas por uma profissional especializada. Essa iniciativa tem sido essencial para reduzir a evasão escolar e possibilitar que as mulheres permaneçam estudando sem a preocupação com o cuidado dos filhos.
Sonhos que renascem
Sala de aula onde várias mulheres revivem um período de oportunidades graças à educação (Fotos: Jackeline Oliveira/SED)
Assim como Beatriz e Lucinéia, Joanice Lopes Miranda, de 51 anos, encontrou no EJA Mulher a chance de recomeçar. Ela concluiu o ensino fundamental há 13 anos, também pela EJA, mas não teve a oportunidade de seguir adiante. Quando soube, por meio da filha, que a Escola Estadual Vereador Cristóvão Silveira abriria turmas do programa, decidiu deixar sua casa e se mudar para o Jardim Noroeste, onde agora vive com a filha, para realizar o sonho de concluir os estudos.
“Eu achei que não teria mais chance de estudar. Mas o Estado lembrou da gente aqui no Noroeste, e isso foi um acontecimento maravilhoso. Mesmo com tantas dificuldades, aqui temos muito amor e acolhimento”, conta Joanice.
“Minha filha me convidou e disse: ‘Mãe, vem, aqui a senhora vai ser acolhida’. E foi isso que aconteceu. Eu vejo essa escola em três palavras: sonho, realização e conquista. Voltar a estudar me fez provar para mim mesma que ainda posso, que tenho capacidade. É como voltar a ser criança”.
O Curso EJA Mulher reafirma o compromisso com a equidade de gênero e a emancipação feminina por meio da educação. Ao proporcionar um ambiente de aprendizado acolhedor, o programa abre oportunidades para que cada mulher possa sonhar, se reinventar e trilhar um novo caminho.
Na “Escola do Amor e do Acolhimento”, os resultados são visíveis não apenas nas notas e certificados, mas principalmente na confiança e na autoestima de cada estudante. A proposta segue como exemplo de uma educação transformadora, feita de escuta, respeito e afeto — ingredientes essenciais para a realização de sonhos.
Entenda o projeto
Nome: Curso EJA Mulher – Educação de Jovens e Adultos
Criação: 2024 (projeto piloto)
Público-alvo: Mulheres a partir de 16 anos (anos iniciais) e 18 anos (anos finais do Ensino Fundamental), em situação de vulnerabilidade social
Objetivo: Promover o acesso à educação, valorizando as histórias de vida e fomentando a equidade de gênero
Escolas participantes (2025):
• Escola Estadual Marçal de Souza Tupã-Y – Jardim Los Angeles
• Escola Estadual José Ferreira Barbosa – Vila Bordon (EJA Mulher Indígena)
• Escola Estadual Vereador Cristóvão Silveira – Jardim Noroeste
Total de alunas atendidas: 145 mulheres
Diferenciais: Sala de acolhimento para filhos das estudantes; formação geral básica e qualificação profissional; metodologias adaptadas à realidade das mulheres adultas.
Jackeline Oliveira, Comunicação SED
Foto de capa: Jackeline Oliveira/SED
Fonte: Agência de Notícias do Estado de MS








